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Sobre a vida e a morte

Carta da morte no tarô

Quando minha amiga/irmã contou que teria que fazer a exumação do corpo do seu pai, eu me prontifiquei a acompanhá-la. A morte dele foi dolorosa, difícil de digerir, e achei que seria importante estar por perto. Mesmo que a data do evento fosse no dia do  meu aniversário. Prioridades nunca seguem calendário, não é mesmo?

Chegamos ao cemitério da Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte de São Paulo, pouco antes das 10 da manhã e encontramos com um empreiteiro de cemitério, profissional especializado em construção e reforma de túmulos, – sim eles existem – e com um primo distante dela, cujos pais também estavam enterrados no mesmo local.

Os coveiros já haviam iniciado o processo de escavação. E a nós – eu e minha amiga – só restava esperar. Fazia um calor insuportável, perto de 35º C, bem acima da média do esperado para uma manhã de primavera. Ficamos proseando sentadas nos degraus de outro túmulo, onde tinha uma sombrinha.

Expectativa X Realidade

Nunca tinha participado de uma exumação. Mas na minha cabeça ingênua e criativa, eu já tinha imaginado várias cenas. O coveiro cavaria até achar o caixão e que, dentro dele, haveria um esqueleto inteiro, com todos os ossos certinhos – tipo aqueles dos livros de Ciências – vestido com o terno do funeral. Nesse momento, minha amiga cairia em prantos, de joelhos, e eu seguraria em suas mãos enquanto ela cobriria o rosto para não se chocar com os restos mortais do pai. Eu já estava até preparada para talvez adiar a comemoração do meu aniversário porque poderia sair de lá muito triste e sem clima pra festa.

Mas a realidade foi completamente diferente. Em muitos níveis e por vários motivos. Primeiro porque o caixão já nem existia mais. A madeira tinha sido toda comida pelos bichinhos e o pouco que deu pra ver foram algumas alças de metal, que resistiram ao tempo.

O esqueleto completo e o terno também eram pura ilusão. O que sobra do corpo, minha gente, depois de quase 20 anos, são alguns ossos isolados que se misturam com terra e pedaços de roupas. Nada é inteiro. Tudo são fragmentos.

A cena dramática do choro e da comoção também passaram longe porque o momento exigia concentração. Todos precisavam olhar para aquele quebra-cabeça de ossos e trapos e tentar encontrar alguma lógica. E aí surgiam frases surreais tipo “esse crânio não deve ser da minha mãe porque ele não tinha todos os dentes” ou  “esse fêmur pode ser do meu pai já que ele era bem alto”. Ou ainda perguntas como “isso aqui pode ser uma gravata?”. A realidade, às vezes, é muito mais prática do que romântica. Fundamental para dar mais leveza aquele trabalho tão ingrato.

E no meio disso tudo, vez em quando, eu me afastava um pouco para atender o telefone e ouvir os amigos e parentes desejarem “parabéns, felicidades e muitos anos de vida”. O que só deixava tudo menos fúnebre, com um clima meio surreal. Quase otimista.

Vida x Morte

Diferentemente do que pensei, minha amiga não se esguelou de chorar e eu também não fiquei deprimida. Pelo contrário. Todo aquele contato com a morte me trouxe muitas reflexões sobre a vida.

Todo mundo sabe que quando morremos viramos pó. Mas ver isso tão de perto é impactante. Meu Deus, é isso mesmo que viramos? Nada? Nosso corpo não passa de uma carcaça animal.  Nossa essência está na alma. E só podemos cultivá-la em vida.

O momento mais tocante da escavação foi quando minha amiga encontrou um sapato milagrosamente inteiro, que pertencia ao pai, e era exatamente o mesmo modelo de sapato que ela estava usando. Senti que aquilo mexeu com ela, mas não com tristeza, e sim com uma certa saudade. Era um detalhe poético de semelhanças que a genética não explica. Uma conexão viva entre pai e filha. E é isso que nos emociona: a vida. Não a morte. São as lembranças do amor que deixamos pra quem fica. Os restos mortais não dizem nada. E nem assustam.

Ainda no cemitério, ao ver uma sala de velório abarrotada de gente chorosa, pensei em como a vida às vezes é generosa e nos dá tempo suficiente de realizarmos muito e cativar muita gente. E em outras vezes, é cruel e não dá tempo nem de fazer amigos – foi o caso de um bebêzinho, que passou ao nosso lado num caixão pouco maior do que uma caixa de sapato, acompanhado por meia dúzia de parentes. É impossível não pensar em como será no dia em que eu morrer. E no que eu terei feito quando esse dia chegar.

Depois que os ossos foram recolhidos e guardados em uma caixa, fomos para um outro cemitério, na Serra da Cantareira, para guardá-los em um outro túmulo da família. Ufa, tarefa cumprida. E em meio aquele sol escaldante e um jardim de lápides, uma inesperada vontade me surgiu com força:

– Saindo daqui vou pra praia tomar um banho de mar! – eu disse

– Posso ir com você? – minha amiga respondeu com os olhos cheios de empolgação.

E assim fomos. Cruzamos a cidade até chegar no praia. Suadas e cansadas, mergulhamos felizes, com sede de vida. Não só lavei minha alma, mas também agradeci pelo meu corpo. Tão inteiro, tão vivo. Um inesquecível presente de aniversário.

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Minha primeira (e única) experiência com Ayahuasca

Eu estava em Manaus, de férias com meu namorado e um amigo dele nos convidou para participar de uma reunião da UDV (União do Vegetal), uma das religiões que bebem Ayahuasca.

Eu já tinha ouvido falar do chá, mas nunca tinha pensando em tomar. Sempre tive o estômago muito sensível e tinha receio de vomitar, ter piriri, ou dar algum bafão desse tipo. Reações desse tipo são bens comuns. Mas eu estava na região da floresta amazônica e achei que a oportunidade não poderia ser melhor.

Fomos de carro até um sítio lindo, a cerca de uma hora de Manaus. Ao chegar lá, senti uma energia muito boa. A mesa de madeira com uma toalha de renda branca, copos de água e flores me lembravam um centro espírita, mas com um clima bem mais leve e acolhedor. Cheio de árvores e natureza em volta e cadeiras aconchegantes pra sentar. Na ponta da mesa, um arco azul com estrelas e cometas pintados de dourado, com as iniciais da UDV, simbolizava uma espécie de altar. Estava muito feliz de estar ali.

Antes de começar a sessão, todos se sentaram e os mais experientes foram chamado para compor a mesa. O coordenador da sessão fez uma fala de abertura e distribuiu um copo de chá para cada pessoa. Para a maioria dos frequentadores, ele deu um copo americano quase cheio. Para mim, estreante, ele deu metade.

E antes que todos tomassem, o mestre do grupo foi passando para “acertar” a dose de cada um, colocando ou tirando um pouco de chá quando achava necessário. Ele olhou bem pra mim, pegou meu copo e tirou metade do que tinha lá. Fiquei meio frustrada. Achei que tomando só aquilo, não fosse sentir nada. Mas, enfim, estava feliz só de estar ali.

ayahuascaTomei o chá e sentei. Nos primeiros dez minutos, tudo ia muito bem, estava normal. Mas pouco depois, comecei a me sentir muito estranha. Meu corpo ficou totalmente mole e meio adormecido. O ponto central da minha testa (terceiro olho) começou a latejar. Não conseguia mais controlar meus pensamentos e comecei a ter muitas visões.

Eu olhava para as pessoas ali sentadas e, ao mesmo, quando fechava os olhos, via o espírito de todo mundo. Estavam todos sentados, na mesma ordem que estavam ali fisicamente, mas tinha uma porta atrás de cada um. E gradualmente, as portas iam se abrindo e elas caiam num poço de luz. Fui ficando assustada.

Nesse momento, o coordenador da sessão passava em cada cadeira pra conversar com os participantes e ver como cada um estava. E novamente, tudo o que eu enxergava no plano físico, eu também via no plano astral. Era surreal.

Quando chegou na minha frente, ele me olhou e me fez uma pergunta. Mas eu simplesmente não conseguia ouvir mais nada. Eu via os lábios dele mexendo, vi que estava falando comigo, me esforcei muito pra entender, mas não adiantou. Tudo o que eu ouvi foi um som distorcido e que parecia bem distante. Era como se alguém girasse um disco na vitrola no sentido contrário e em baixa rotação. Não estava mais raciocinando direito nem compreendendo nada. Fiquei ali imóvel e acho que ele percebeu que eu já estava na “burracheira”, nome que eles dão para o efeito do chá no corpo.

Do inferno ao céu

Ali, eu percebi que eu não tinha a menor noção do que estava experimentando. Sentia minha mente cada vez mais longe e as visões vinham com cada vez mais força. A sensação era que meu espírito tinha se deslocado do meu corpo.

A primeira reação foi de pânico, seguida de arrependimento. Me perguntava “por que diabos aceitei tomar esse chá? Onde isso vai parar? Como você é ingênua! Quanto tempo vou ficar assim?”. Eu suava frio. Olhava as pessoas se levantando para ir ao banheiro e caminhar e não entendia como aquilo era possível. Eu não conseguia me mexer. Falar então, nem pensar. Fiquei com muito medo.

Mas, enfim, eu já tinha tomado o chá e sabia que o efeito durava umas quatro horas. Precisava me acalmar. Comecei a respirar fundo uma, duas, dez vezes. Rezei pro meu anjo da guarda. E aos poucos, fui relaxando e me acalmando.

E junto com o calma, algo muito mágico aconteceu. Comecei a ouvir uma voz dentro de mim, que não era a voz desesperada da minha mente. Era uma voz tranquila, doce e ao mesmo tempo firme. Reconheci que era minha própria voz, mas parecia vir de uma versão bem melhorada de mim. Alguém super segura, serena, sem medo. Entendi (não me pergunte como) que era a voz do meu espírito. E ela dizia que eu podia ficar tranquila e me entregar. E foi o que eu fiz.

E aos poucos, veio uma sensação ma-ra-vi-lho-sa de muita paz e, principalmente, de muita presença. Eu não pensava em coisas do futuro ou passado, eu meio que não pensava na verdade. Simplesmente estava ali. E era como se ali fosse o melhor lugar em que eu poderia estar. E aquele momento era o mais incrível que eu poderia vivenciar.

Em vez de ter medo, comecei a aproveitar as várias visões que tinha. Eram muitas composições de cores, formas geométricas. Tudo mais complexo e mais bonito do que minha imaginação seria capaz de criar. Muitos insights e uma conexão absurda com a natureza.

Não entendia o que algumas pessoas falavam, mas as músicas eu ouvia de forma muito profunda e inédita, ao mesmo tempo em que enxergava as ondas sonoras variando de acordo com as notas musicais. Tudo era muito vivo, intenso, sinestésico. E espiritual. Quando tocou uma música em homenagem a Nossa Senhora, meu coração esquentou tanto que ardeu. E meus olhos se encheram de lágrimas de emoção. Foi muito forte.

A impressão que dava era que eu nunca tinha estado com meus cinco sentidos tão aguçados e que estava usando partes do meu cérebro até então nunca utilizadas. Às vezes, as pessoas faziam perguntas – sobre a lua, as estrelas, a vida – e o mestre do grupo respondia. E enquanto ele respondia, aquela minha voz me falava muitas outras coisas, complementando. E eu ouvia muito bem as duas coisas ao mesmo tempo e processava tudo sem confusão.

E assim as horas foram passando e o efeito do chá foi diminuindo. Voltei a me mexer normalmente e, aos poucos, as coisas começaram a voltar ao “normal”. Meu sentimento era de profunda paz e muita gratidão.

ayahuasca2Saldo positivo 

Ao final da sessão, teve um momento de partilha. E quando me perguntaram sobre o que senti, disse que tinha sido uma das experiências mais assustadoras e mais incríveis da minha vida. No três dias que se seguiram, me sentia ainda com “super poderes”, ouvindo a voz do meu espírito com muita clareza e facilidade e com a mediunidade muito aflorada.

Entendi que o chá é algo sagrado e que a experiência do ayahuasca é muito profunda e complexa. E que o receio de talvez vomitar ou ter piriri não é nada perto do medo profundo que senti da total FALTA DE CONTROLE. Nossa mente nos controla o tempo todo. E o que o ayahuasca faz é justamente abrir (ou escancarar) a porta para o espírito, nos libertar e mostrar a vida de uma outra perspectiva. Te leva a uma grande expansão de consciência. É como trancar nosso lado racional num quarto e nos levar para um passeio pelo mundo astral. E isso pode ser muito assustador e/ou muito maravilhoso ao mesmo tempo.

Mas por mais que tenha sido incrível a experiência, eu nunca mais tomei. Por vários motivos. Porque não voltei mais pra floresta,  porque dá medo agora que sei o quão profunda é a experiência. E, principalmente, porque senti que pra mim o chá poderia ser quase um atalho para alcançar um êxtase espiritual. E senti que era importante que essa não fosse a única forma de chegar a esse lugar de plenitude, onde eu pudesse ouvir meu espírito de forma tão clara e fácil.

Sou muito grata pelo caminho que o chá me mostrou. Foi tudo muito inspirador e fundamental para que depois eu conseguisse acessar esse espaço sagrado dentro de mim utilizando outras ferramentas como a meditação, a leitura de aura, a dança, o encontro com mestres espirituais, entre outros. E, principalmente, foi um importante passo para eu (começar a) perder o medo da falta de controle.

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Sejam bem-vindos

Desde que me conheço por gente, tento entender quem eu sou e o que vim fazer nesse mundo. Penso que a vida é uma jornada sem fim de autoconhecimento e, principalmente, de muita cura. Nunca tive uma religião pra chamar de minha, mas tampouco questionei a existência de Deus. Sempre acreditei num amor infinito que está muito acima da nossa compreensão e que age como um grande maestro regendo a sincronicidade do universo e das nossas vidas.

Pareço calma, mas no fundo sou bem inquieta. Busco a cada dia novas formas de entender minhas limitações e trabalhar minhas potencialidades. E o caminho que mais me abriu portas nesse processo foi trabalhar a minha espiritualidade.

Há alguns anos me aventuro em conhecer diferentes terapias, retiros, sabedorias ancestrais e caminhos espirituais que foram essenciais para o desenvolvimento não só da minha fé, mas, principalmente da minha vida prática: melhorei a relação com amigos, namorado, família, trabalho, dinheiro. Enfim, tudo.

São aprendizados tão valiosos que senti vontade de criar esse canal para compartilhá-los. E também porque acredito que falar sobre meus processos de auto-conhecimento me ajuda a assimilá-los e pode ser útil para outras pessoas.

Sou Debora Pivotto. Jornalista, terapeuta de leitura de aura em formação e uma eterna buscadora espiritual 🙂

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O medo do jejum

tambor-xamanico-2Em julho, uma amiga muito querida me convidou para um retiro xamânico de um fim de semana em Extrema, no sul de Minas. O email/convite falava sobre dançar ao som de tambor pela cura de nossos ancestrais e gerações futuras. Me interessou muito e senti uma intuição forte de que deveria ir. Topei.

Na semana que antecedia o retiro, minha amiga me pergunta:

– E aí, preparada para o jejum?

– Que jejum? – perguntei.

– Uai, o retiro é em jejum.

– Sério?! Putz, não sabia. Vamos ficar só na água?

– Não, jejum total. Você não leu o email?

– Tudo não. Li só algumas partes…rs

É bizarro como o jejum me causa pânico! Mesmo já tendo participado de alguns retiros com restrições alimentares, é algo que sempre mexe comigo. Me lembro que durante o primeiro retiro de Leitura de Aura (Aura 1), em Piracanga, em 2015, fiquei P da vida quando falaram logo no início que a proposta era ficarmos somente tomando suco ou água de coco durante a semana do curso. Nossa, eu virei no Jiraya!! Me lembro de olhar pro professor com sangue no zoio e falar: “se eu soubesse que teria jejum, não teria vindo”… Eu já me visualizava com dor de cabeça e o mau humor terrível que me acompanha(va) sempre que tinha fome.

Mas depois de me acalmar, pensei bom, já estou aqui no curso, todos vão fazer, por que não tentar? E também ninguém te obriga a nada né? Tem um restaurante e uma mercearia em Piracanga. Se eu quisesse, poderia jogar tudo pro alto e comer de boa. Me apoiei nisso e fui.

No primeiro dia, foi um pouco estranho, mas bem menos incômodo do que eu pensava. Tive uma dor de cabeça leve mas que melhorava quando eu tomava água. E sempre que chegava o momento do suco, era uma grande alegria pra mim. No segundo dia, eu já fui percebi que, logo depois da meditação da manhã, eu não tinha fome nenhuma. No terceiro dia, o suco chegava e eu já tinha dificuldade de tomar até o final. No quinto dia, eu deixei metade do copo. E os sucos mais grossos, já não desciam. Ao contrário de todo o que incômodo e mau humor que eu previa, me sentia cheia de energia e bem disposta. Fora que os medos e sombras com os quais eu estava lidando eram muito mais assustadores do que a falta de comida. A bolacha que tinha guardado no quarto para casos de emergência mala ficou intacta.

Esse primeiro jejum de uma semana foi uma experiência muito transformadora. Especialmente para eu ver o quanto eu comia bem mais do que precisava e o medo que eu guardava em meu primeiro chakra, centro de energia que rege essas questões ligadas à sobrevivência. Foi incrível também perceber o quanto a meditação e o trabalho espiritual nos dão muito energia e como trabalho interior se intensifica quando o corpo não precisa digerir comida.

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Crédito: carolinemaniere.com

De volta ao retiro xamânico…

Pois bem, mais de um ano depois dessa primeira experiência, lá estava eu indo para um outro retiro com jejum e o medo veio de novo. Eu já sabia que ficaria bem sem comida, mas sem líquido nenhum? Sem água? Ainda que fosse só por três dias, me assustava muito a ideia. Mas, enfim, assim como fiz da outra vez, já estava lá e tinha que tentar.

Na sexta à tarde, aquele medo da escassez me bateu forte e resolvi fazer um estoque de água no meu corpo. Tomei um litro de água de coco e mais um tantão de água mineral. Resultado: no começo da noite, a dança mal começou e eu já tava apertada para ir no banheiro. Quase não consegui me mexer de tanto que minha bexiga doía.

Dançávamos todos juntos, num grupo de quase 40 pessoas ao som de um tambor enorme, tocado por seis pessoas. A vibração era tanta que a gente sentia no corpo. Os passos à frente simbolizavam os caminhos que abríamos para as futuras gerações e os passos pra trás pediam cura e luz para nossos ancestrais. Foi muito forte, emocionante. Mas minha bexiga cheia me atrapalhou. Assim que acabou a primeira sequência, fui correndo no banheiro.

Na volta, todos já se prepararam pra dormir. E quando eu deitei, sentia meu corpo todo vibrando, como se o tambor ainda estivesse tocando dentro de mim. Sentia tanta energia no meu corpo que tava com calor – apesar do frio da noite na montanha – e não conseguia dormir. Dei umas cochiladas e vinham tantos sonhos, tão fortes, que não sabia mais o que era visão e o que era sonho.

Acordei com um algo gelado no meu pescoço que pulava. Presumi que era um sapo. Levantei assustada, procurei ele com a lanterna na barraca, mas não encontrei. E mais uma vez, minha bexiga cheia me incomodava. Tive que levantar na madrugada pra fazer xixi, o que era uma grande aventura já que eu estava dormindo numa barraca montada na grama de um sítio enorme, onde a única luz visível vinha de uma fogueira distante e o banheiro era seco, aquelas cabanas de madeira montada no matinho, sabe? E ficava bem longe da barraca. Mas, enfim, eu não tinha escolha. Fui até lá com a minha lanterna e o alívio do xixi saindo era tanto que nem me abalei com a aranha que estava na porta da cabana e que, felizmente, não se mexeu enquanto eu fazia minhas necessidades. Nessa hora, eu já tinha percebido que a tática de fazer um estoque de água tinha sido uma péssima ideia.

No sábado, começamos a dançar antes mesmo do sol nascer. Dançávamos um pouco, uns 20 minutos, e depois descansamos por cerca de uma hora. E seguimos assim até o pôr-do-sol. E novamente, a questão do jejum me surpreendeu. Não sentia fome. Pelo contrário, estava com muita energia. Desta vez não tinha meditação como em Piracanga, mas tinha o tambor. E quando ele começa a tocar o corpo se enche de energia. Você nem pensa, simplesmente dança. E quanto eu deitava pra descansar e dormir, ainda sente o corpo vibrando.   

Segui muito bem até o domingo de manhã, quando fiquei mal. Acordei pensando em água, com sede e só queria saber a que horas voltaríamos a tomar água. Não tinha fome, só sede. Sentia uma angústia enorme no peito, a garganta tava seca e tinha um nó ao mesmo tempo. Tinha muita vontade de chorar, mas achei melhor segurar. Na minha cabeça chorar significava perder mais água. E consequentemente, me traria mais sede (olha o medo da escassez batendo de novo!!).

Procurei pela xamã que conduzia o processo e relatei minha angústia. Ela me olhou com bastante carinho, falou que faltava muito pouco para o jejum terminar e me deu muita força pra continuar. Disse que eu estava bem, que estava sendo cuidada pelo mestre espiritual que criou aquela dança e que, se eu sentisse vontade, deveria chorar.

Quando voltei pro meu colchão pra descansar, não consegui mais segurar o choro. E chorei muito. Sério, meus olhos eram tipo dois poços artesianos de água limpa, jorrando. Esses processos espirituais sempre trazem muita limpeza. E eu vi que muito mais do que sede, eu tava precisando era chorar. E sei que chorei por mim e por vários que vieram antes de mim na minha ancestralidade e pra quem eu estava dançando já havia dois dias.

E o mais incrível foi que, além de aliviar minha angústia, o choro simplesmente irrigou meus olhos, nariz e, principalmente, a minha garganta, que era o meu grande incômodo físico naquele momento. Senti um alívio imenso – físico e emocional e entendi muitas coisas sobre mim. Duas horas depois, quando o jejum foi encerrado com uma bela cerimônia da água, eu já estava bem mais tranquila. Tomei devagar meu copo d’água com muito prazer, mas sem ansiedade. Vi mais uma vez o quanto sou muito mais forte do que pensava e que o conforto que muitas vezes eu procuro fora pode estar dentro de mim mesma, no meu corpo. E, principalmente, vi o quanto o jejum mostra que eu tenho muito o que aprender quando o assunto é medo.

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